domingo, 16 de dezembro de 2012

O Terceiro Reich - Roberto Bolaño

Opinião: Depois de todo o frenesim à volta do livro 2666 do mesmo autor decidi então aventurar-me pelo mundo Bolaño. Foi sem dúvida uma decisão acertada. Retirei da leitura deste livro um prazer tremendo recheado de surpresas em vários elementos da obra. 
Começando pelo título, O Terceiro Reich remete o leitor para o "reinado" de Hitler. No entanto, no presente caso O Terceiro Reich é de facto o nome do jogo que duas das personagens principais desta história jogam durante grande parte do livro e que se torna um dos elementos centrais da trama. Um dos protagonistas é Udo Berger. Aspirante a escritor e campeão de wargames (jogos de guerra e estratégia) de Estugarda, Udo Berger vê nas suas férias uma oportunidade para regressar ao Hotel del Mar, hotel que marcou os tempos da sua infância onde Frau Else já durante os seus anos de maior juventude lhe transmitia várias sensações por vezes incontroláveis e que surge novamente na sua vida, desta vez numa situação diferente onde luta (não se percebe se com afinco) pela sobrevivência do seu marido. O objectivo destas férias é também o treino no jogo homónimo do título. Udo Berger decide partilhar estas férias com a sua amiga/namorada Ingeborg que é uma das razões para o desenrolar dos acontecimento não acontecer como planeado. Nesta viagem Udo e Ingeborg conhecem e partilham (Udo não o faz de livre vontade) as férias com um casal no mínimo singular, o forte, louco e inseguro Charlie e a frágil e ingénua Hanna. Para complementar um enredo de personagens estranhas surgem outros três elementos nesta história. Os inseparáveis Lobo e Cordeiro, nativos da terra e sempre prontos para noites de folia nas discotecas locais mas que se afiguram mais importantes do que aquilo que parecem, e o assustador Queimado, dono da concessão de "gaivotas" da praia e cujas queimaduras que lhe assolam a pele lhe valeram tão original alcunha. Todo o livro se desenvolve quase como um diário onde Udo Berger vive as vicissitudes de uma vida pouco comum enquanto batalha contra um adversário inesperado no jogo onde supostamente Udo é o melhor. O jogo vai assumindo um carácter cada vez mais sério e sentimos que a guerra que ocorre em cima do tabuleiro é real e cada invasão, ataque, defesa, morte, ocorre na realidade e não é apenas ficção.  A mentira e a desconfiança é um elemento muito presente num livro que transborda sentimentos de tensão. Udo vê as suas intenções amorosas e sexuais desdobrarem-se entre três "peões" do livro, Frau Else, Ingeborg e Clarita, a empregada. A personalidade de Udo sofre vincadas alterações à medida que a história avança e lemos a sua saúde física e mental deteriorar-se enquanto no hotel os rumores e suposições quanto às razões da sua presença ali e da sua sanidade mental se multiplicam. Para além de rumores também alguns confrontos físicos e verbais entre os trabalhadores do Hotel del Mar.
Bolaño brinda-nos com uma linguagem crua sem "papas na língua" onde todas as personagens interagem entre si e adquirem personalidades distintas entre cada interacção. Os defeitos das personagens são cuidadosamente arquitectados para que o leitor não odeie nenhuma personagem mas ao mesmo tempo também não goste demais de nenhuma delas. Desaparecimentos, discotecas, álcool, sexo, morte. Bolaño engloba tudo isso e muito mais num romance do mais original que já li nos últimos tempos. Ao mesmo tempo, a linguagem técnica nos jogos que se abordam aqui mostram que foi feita muita pesquisa nestes campos e acredito até que Bolaño se tenha introduzido no meio dos wargames para melhor entender o seu funcionamento. Outro elemento positivo é o excelente conhecimento geográfico e histórico do autor ao retratar as jogadas e o avançar do jogo O Terceiro Reich cuja história provém de factos verídicos.
Em suma, um autor que ficará sem dúvida nos livros que pretendo voltar a ler em breve e que recomendo porque todo o frenesim de críticas positivas que tenho ouvido não é de maneira alguma infundado.

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