E ainda que das
fantasias de cada cliente resultasse uma técnica distinta de chafurdar nas
carnes de Liliana e Ludmila, todos comungavam de um desejo comum: «endrominar
as duas ao mesmo tempo» - proeza que jamais alguém alcançara.
A semelhante
cogitação bestial não escapou também o Comandante da GNR, homem experimentando
na doma de cavalos e pastores alemães. Mal as moças se começaram a abanar
agarradas ao varão, Liliana descendo lentamente até ao chão e Ludmila imitando
as danças dos cossacos, o Comandante desinteressou-se da teoria de Joaquim
Texugo sobre as mulheres francesas, tirou os óculos do bolso da farda,
confundiu o seu copo de whisky com o do Dr. Afonso e acabou, tal o anfitrião, a
beber pelo gargalo. A partir desse momento o sortilégio da carne subjugou-o,
transfigurando-lhe o rosto; o feitiço fê-lo esticar o pescoço, arregalar os
olhos, arreganhar os dentes e martelou-lhe na cabeça uma ideia tão firme quanto
o varão das dançarinas.
O Dr. Afonso
segredou-lhe algo sobre as pernas das raparigas, mas ele já não ouvia nada nem tão
pouco enxergava outra coisa além daqueles dois corpos lúbricos. Eram duas
feras, duas fêmeas com o cio que ele iria primeiro domesticar e depois possuir;
quis pegar na chibata mas tinha-a deixado no carro dos Texugo. Sentindo-se
desarmado ante tão bárbaras criaturas, capazes de o devorar vivo, hesitou e deu
mais uma golada da garrafa para ganhar coragem.
Mas quando
Ludmila deixou cair a saia e exibiu um par de nádegas generosas onde duas asas
de borboleta pareciam sugadas para um buraco negro, o Comandante recobrou as
forças, levantou-se como se fosse impor a ordem ou fuzilar comunistas, e
declarou que «ia trinchar as duas». O Dr.
Afonso ainda tentou agarrá-lo mas ele escapou-se com uma sapatada viril, voltou
a colocar o seu boné e avançou em passo militar em direcção às dançarinas.
Porém, pese a sua determinação, acabou por esbarrar numa outra autoridade, o
Armando, segurança do Foli Bergere à
noite, servente de pedreiro durante o
dia e primo do Armindo.
O tumulto que se
seguiu, durante o qual a autoridade da republica deu voz de prisão à autoridade
do bordel, tendo esta tentado serenar aquela coadjuvada por alguns clientes,
terminou abruptamente com a intervenção enérgica dos manos Texugo. Os fregueses
foram empurrados para os sofás e o segurança-pedreiro ameaçado de duplo
despedimento - era só fumaça, o povo que vai às casas de meninas é sereno.
Reposta a ordem, Manuel e Joaquim trouxeram de volta à mesa o Comandante com a
promessa de irem buscar as meninas.
Dito e feito.
Dali a pouco,
Manuel Texugo aparecia de braço dado com as dançarinas em trajes menores e
sapatos de tacão alto para as apresentar aos amigos. Após dar-lhes sugestões de
etiqueta e boas maneiras «fazeinde cuidado, quisto é gente fina!», despachou-as
com uma palmada no traseiro a cada uma.
Assustadas como
duas vitelas à porta do matadouro, Liliana e Ludmila prepararam-se para serem
esquartejadas. Mas apenas sucedeu uma troca de beijinhos no rosto. Afinal, o
desmanche iria ser suave. As dançarinas descontraem-se, cruzam as pernas,
descruzam as pernas, e, aos poucos, erige-se uma cavaqueira excitada, com
abundante riso, chalaças e balidos lascivos. Brindes com espumante das barracas
de tiro da expo de Vilar de Mochos sucederam-se. Os irmãos Texugo preferiram
manter-se à parte da conversa, deixando o pundonor das donzelas entregue aos
amigos.
Perturbado pela
adjacência das meninas, o calor dos corpos, o perfume e tanta carne à mostra, o
pudibundo Ramalhete recordou-se da mulher a lavar o rabo no bidé e amaldiçoou a
sua sorte - nunca o mundo lhe parecera tão injusto e as riquezas tão mal
distribuídas. Passou-lhe então pela cabeça a possibilidade de experimentar com
as Vénus de Alterne certas práticas de que ouvira falar e nunca ousara propor à
desditosa esposa; ordinárias, porcas e perigosas, mas que deviam ser uma
delícia. Sentindo próxima a desforra, não há fome que não dê fartura, encheu o
peito e compôs o que supôs um ar mais jovem: um sorriso apatetado. Porém,
dilacerava-o o dilema entre a cedência às tentações e a defesa da
respeitabilidade, conflito que geralmente redunda na paralisia ou no titubeio.
Era o que sucedia ao autarca. Tão depressa tecia elogios desconchavados a uma
das meninas como de seguida corava envergonhado e remetia-se a longos
silêncios, levando-as a pensar, cada uma à sua maneira e em línguas diferentes,
que «ali estava um bom pato para ser depenado».
Nenhum destes
problemas de índole moral ou higiénica acometia contudo o Comandante da GNR. Às
moças reclamou-se de um vigor taurino e procurava indagar do peso, das medidas
e especialidades de cada uma, provocando gargalhadas alarves a Manuel e
Joaquim, ainda mais embaraço a Ramalhete, uma leve perplexidade ao Dr. Afonso,
e muita indignação nas visadas Liliana e Ludmila. E, não contente com as
respostas evasivas da primeira e as proferidas num idioma incompreensível pela
segunda, mesmo após lhes mostrar um cartão de crédito dourado, tratava ele
próprio de as descobrir medindo-as e apalpando-as.
O Dr. Afonso
assistia divertido e, de vez em quando, também passava a mão nas coxas sedosas
das novas amigas. Porém, ao contrário da reacção desencadeada contra o
Comandante, forçando-o a retirar a mão e ameaçando dar-lhe um tabefe, Liliana e
Ludmila não apenas lhe permitiam as intimidades como ainda sorriam.
Incentivando-o no prosseguimento da exploração anatómica.
Apesar de volta
e meia ver duas Lilianas e duas Ludmilas, logo oito coxas sedosas e oito seios
de silicone, não se lembrar do que já tinha dito ou escutado, o Dr. Afonso, que
entretanto abrira a camisa e ajeitara as pregas das calças francesas, começou a
farejar uma nova oportunidade.
Uma oportunidade
Hardcore.
E a oportunidade
surgiu quando o Comandante da GNR, flagelado pelas maleitas de uma próstata de
touro vetusto, se viu constrangido a abandonar as meninas para ir ao quarto de
banho mictar. Não demorou mais de quatro minutos no urinol entupido e escarrado
o representante da autoridade, mas quando regressou descobriu que tinha sido
traído: Liliana estava sentada no colo do Dr. Afonso, Ludmila agarrava-se ao
seu pescoço e ele bebia espumante pelo sapato de uma delas. Todos contentes.
Fulminado pela
cena, como a mulher de Lot caso do sal voltasse à carne e, salgada como um
presunto, o descobrisse com as filhas, o Comandante, que se tivesse a chibata
imporia a moralidade nesta Sodoma imune a chuvas de fogo mas prometedora de
pecados nefandos, amuou e exigiu que o levassem para casa.
Antes de a
viagem começar o Comandante vomitou apoiado numa roda do Mercedes de Manuel
Texugo. Depois foi deitado na manta do cão de Joaquim e assim permaneceu
durante todo o percurso. Pelo caminhou, vociferou insultos entaramelados contra
os emigrantes, os empresários e os comunistas. No entanto, quando chegou ao
destino o Comandante recuperou o aprumo, fez continência aos empreiteiros e
entrou em casa sem cambalear.
Informações sobre o autor no site http://www.joaocerqueira.com/
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